quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Gastos com rede pública triplicaram, mas falta ainda qualidade no ensino.

Professor de sociologia, Murilo Mangabeira reclama do descaso com a formação de bons profissionais O professor Murilo Mangabeira, 27 anos, sabe o valor de uma boa educação. Por isso, é um defensor contumaz de que o ensino deve começar cedo — e, sobretudo, com muita qualidade. Para ele, não basta apenas abrir as portas das escolas à criançada sem o compromisso de se formarem cidadãos que farão a diferença no mercado de trabalho. Isso vale, principalmente, para os centros públicos de ensino, que, infelizmente, andam despejando no mercado pessoas que mal entendem o que leem e são incapazes de resolver questões mínimas de matemática. Não à toa, Murilo repete: “É uma convenção achar que escola pública tem que se contentar com o básico, com uma estrutura mínima. Não adianta montarem bibliotecas, se não colocam livros suficientes. De nada vale fazer uma quadra de esporte, se não colocam cobertura. O básico não é suficiente”. Porém, o que mais assusta o professor, que há três anos leciona sociologia para alunos do ensino médio e fundamental em Samambaia, cidade do Distrito Federal, é o fato de não haver uma preocupação evidente com o aperfeiçoamento dos profissionais da área. “Não basta uma especialização de um ou dois anos. O professor precisa se dedicar a um processo de formação continuada. Senão, corre o risco de se tornar um técnico da educação, com conhecimentos superficiais”, explica. As palavras de Murilo só reforçam a necessidade de uma revolução no ensino básico do país. Embora, nos últimos anos, tenha havido um avanço no acesso de crianças e adolescentes às escolas, muitos ainda não conseguem notas suficientes para ingressar nas universidades. Mesmo quando entram, há um problema maior: conseguir acompanhar o conteúdo dado em sala de aula. “O índice de jovens que apresentam falhas no aprendizado é muito alta. Apenas 11% dos que concluem o ensino básico conseguem um nível razoável de absorção do conteúdo de ciências exatas, como matemática”, diz Mozart Neves Ramos, conselheiro da ONG Todos pela Educação. Essa, por sinal, é uma das razões de o país estar na lanterna do desempenho nessa área: 57° lugar de um ranking com 65 países listados pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). A situação é alarmante, reconhece Rodrigo Capelato, diretor executivo do Sindicato das Entidades de Estabelecimentos de Ensino Superior do Estado de São Paulo (Semesp). “Como a maioria dos alunos das faculdades privadas acabam vindo das redes públicas, é difícil haver um nivelamento nas turmas, especialmente na área de exatas. Praticamente, 90% das universidades acabam tendo que dar cursos complementares para equiparar os alunos em sala de aula”, revela. Interesses Tamanho descalabro não é por falta de dinheiro. O volume de recursos destinado à educação básica triplicou entre 2000 e 2009, passando de R$ 808 por ano, por aluno, para R$ 2,9 mil. O problema é que algumas regiões do Brasil ainda sofrem com uma estrutura física inapropriada para as aulas: falta de material didático, salas sem a mínima estrutura, escassez de carteiras e de professores, principalmente daqueles com formação adequada. “A falta de valorização do professor é um dos principais fatores da baixa qualidade do ensino básico, o que faz com que poucas pessoas se interessem em estudar pedagogia”, afirma Mozart Ramos. “O salário médio no país de um docente é de R$ 1,8 mil, praticamente um terço da média de um recém-formado em qualquer outra profissão”, emenda. Doutor em educação pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e ex-diretor da Unesco, Jorge Werthein ressalta que, mesmo triplicando em quase uma década, os gastos com a educação básica no país são insuficientes. Nos EUA, o desembolso anual por aluno varia entre US$ 12 mil e US$ 13 mil. “Se o Brasil quiser se manter entre as maiores economias do planeta, precisa acelerar o processo de melhoria da educação. Somente o conhecimento muda a vida das pessoas. Por isso, o acesso a uma escola de qualidade tem de ser uma estratégia de governo. Houve avanços nos últimos anos, mas ainda em ritmo muito lento”, assinala. Na avaliação de Werthein, o engajamento na melhora da educação precisa ir além das ações do governo federal. É preciso que estados e municípios entrem nessa batalha, que durará anos e anos. “Não se trata de uma questão política. Mas de interesse de todo um país. É preciso colocar o desenvolvimento econômico em primeiro. E isso passa por uma educação melhor. “Há um deficit enorme de professores — entre 200 mil e 300 mil profissionais — nas áreas de matemática, ciência e química, porque outros setores da economia pagam melhor”, destaca. Gargalos O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jorge Abrahão, explica que as deficiências do ensino básico começam a aparecer logo no início da vida dos alunos. “O primeiro entrave é a falta de acesso à educação infantil, às creches, o que faz as mães perderem um tempo precioso que poderia ser usado para estimular o mais cedo possível a formação da criança. Esse é o pontapé que facilita o ensino básico”, diz. O pesquisador lembra que a herança cultural também pesa sobre os alunos de renda mais baixa. “É mais difícil para os pais com poucos anos de estudo ajudarem os filhos no aprendizado e fiscalizarem o rendimento deles na escola”, completa. O conteúdo deficiente oferecido na rede pública, somado a uma cultura de desempenho e avaliação mais frouxa, não poderia ter outro resultado. Ao concluir o ensino fundamental e médio, os alunos da rede pública não estão preparados nem para enfrentar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) — usado como parâmetro para o ingresso em 95 universidades estatais, por intermédio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Em 2012, serão oferecidas 108 mil vagas. Aulas on-line Um método incentivado pelo poder público para formar professores mais bem qualificados é o ensino a distância, frequentado por 15% dos universitários matriculados atualmente. Entre 2005 e 2010, o número de profissionais que concluíram os cursos de licenciatura nas tradicionais salas de aula caiu 3,6%, para 161,3 mil, enquanto os formados a distância cresceu 62%, para 72 mil. Se esse ritmo persistir, em 2015, o país terá mais professores graduados por meio da internet do que presencialmente. Sintomas do atraso Os especialistas acreditam que a reforma prevista pelo Programa Nacional de Educação (PNE), cujas discussões pouco avançaram na Câmara dos Deputados, deveria avançar por meio de políticas para valorizar o professor e elevar o piso salarial da categoria. Seria uma iniciativa rumo a um quadro semelhante ao que economias desenvolvidas e em desenvolvimento adotam para se destacarem economicamente. Por Erick M Do Correio Braziliense

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